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sábado, 10 de outubro de 2009

Flagrante - um conto de Denis Cruz


Vamos pra casa, Hugo! - disse-me Evandro.

Virei assustado com a voz do meu irmão. Jamais esperava que ele me flagrasse numa roda de amigos da faculdade, tomando um copo de cerveja.

Pensei em apresentá-lo aos colegas na mesa, mas não era uma boa hora. Levantei disfarçando meu constrangimento. Despedi-me com sorrisos encabulados e Evandro, simpaticamente, cumprimentou a todos antes de sairmos.

Entramos no carro, em silêncio. Mas, como haveria sermão, comecei minha defesa:

- Só bebi para não dar uma de crente careta - falei assim que Evandro deu a ignição no carro.

Meu irmão apenas acenou com a cabeça.

- Era só para acompanhar meus amigos, Evandro. Não tinha nada demais - novamente silêncio - Eu não queria que me chamassem de frouxo.

Nessa hora Evandro olhou para mim. Havia certo sarcasmo em seu sorriso, que alternava nos vãos de escuridão e a luz amarela dos postes da avenida.

- E eu, posso chamá-lo de frouxo? - disse finalmente.

Não tive resposta.

- Frouxo! - falou meu irmão - Você é frouxo e covarde. Esqueceu-se do que aprendeu e não teve coragem de honrar o que nossos pais ensinaram.

- Eu... - tentei dizer, mas Evandro me interrompeu:

- Não quero ouvir suas desculpas, Hugo. Aliás, elas pelo menos o convencem, ou você tem noção de que são tão frágeis quanto suas atitudes?

- Era só uma cervejinha!

- E em quantas outras "só uma" você já entrou, meu irmãozinho? E em quantas "só uma" você vai entrar?

Abaixei a cabeça. Evandro não estava se referindo à cerveja.

- Você está se afastando, Hugo - disse com amor fraternal. - Faz tempo que você está se distanciando. Um passinho de cada vez - fez uma pequena pausa - Você está se afastando de Jesus. Você se lembra dEle? Se lembra de quanto tempo passava com Ele e o quanto O amava?

Sim, eu tinha muitas recordações sobre nossa vida familiar, em unidade de adoração. Muitos bons momentos que me emocionariam só de trazer à memória.

- Claro que me lembro.

- Se você quer esquecer o que aprendemos, tudo bem, vá fundo. Só não me venha inventando desculpas esfarrapadas. Você sabe muito bem o que vai contra aquilo que nos ensinaram e que aceitamos como sendo o certo.

Paramos na luz vermelha do semáforo. Fiquei olhando o gigante de ferro e, ao brilho verde, Evandro acelerou e continuou:

- Frouxo para mim é quem não assume o que faz. Quem fica fazendo papel de "igual a todo mundo" quando, na verdade, é diferente. Somos diferentes, assuma isso.

Olhei para as calçadas vazias, tentando desviar pelo menos o olhar do meu irmão.

- Hugo, amigo de verdade não se importa se eu estou numa lanchonete com ele, tomando cerveja ou suco de laranja, pedindo uma porção de costelinha de porco ou falando pra tirar o presunto do meu sanduba. Se são seus amigos de verdade, não tem por que se acovardar diante deles. Assuma quem você é e, quem sabe, alguém se interesse e queira ser como você. Faz quanto tempo que você está afastado de Jesus?

Eu queria ter resposta, mas não tinha. A verdade é que há muito vinha me distanciando das minhas crenças. Já não me lembrava da última oração. Em algum ponto da vida, deixei Jesus estacionado e não voltei para buscá-Lo.

- Saia dessa, maninho - disse Evandro, com a voz fraterna que eu conhecia desde o berço. - Deixe de ter duas caras e volte para os braços do Deus que ama você de verdade.

Nessa hora ele parou diante da nossa casa e desci sozinho. Aparentemente, não havia ninguém ali para atrapalhar e pude ir direto para o quarto.

E aqui estou, pronto para o ato final dessa jornada de agente duplo.

No silêncio do meu quarto, deixo as pernas cederem sob o peso do meu corpo. Os joelhos tocam o chão enquanto minhas mãos se unem próximas ao rosto, onde uma lágrima solitária foge ao meu controle.

- Senhor - digo baixinho, numa oração como há muito não faço -, quero voltar para Teu colo...

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Nota do autor: Este conto foi publicada na revista Conexão JA do trimestre de abril/junho 2009. Para assianar a revista, acesse Conexão JA.


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